sábado, 21 de maio de 2011

A Capitu do Cangaço

Capitu traiu Bentinho? Capitu com seus olhos de ressaca? Logo na primeira cena do curta-metragem Querença de Iziane Mascarenhas, pensei em Machado. Capitu do cangaço, pensei, ao ver Lidia com seus olhos apavorados em close... Sempre defendo Capitu, mulher que não quer se prender às amarras da burguesia de uma época. Trair ou não trair Bentinho era o que menos importava no romance de Machado. Trair ou não trair Zé Baiano é o que menos importa em Querença também. O que importa sao os olhos...


Os queres possiveis do cangaço pintados na tela sob o olhar feminino é que são o coração da trama. O desejo de soltar as tranças. As tranças das mulheres do cangaço são significativas no filme. Zé Baiano trança os cabelos de Lidia. Uma Lidia sentada entre suas pernas. Aparentemente feliz, a cena é triste. Os olhos de Lidia são de ressaca. Sozinha, ela corre no mato, ela solta os quereres, ela cai nos braços de quem escolhe... No bando, ela tem um dono...


O olhar masculino é olhar em bando e está sempre de tocaia. Lidia morre por querer... a pauladas... e o sol se põe... Morte do sol da poesia. Lidia é a Capitu do cangaço.

terça-feira, 23 de março de 2010

Coisas que me emocionam...


Rodrigo Godoi é meu amigo e mestre em história pela Unicamp . Mandou-me uma linda imagem que eu reproduzo aqui. Disse ele:




"Essa tela foi pintada por Chagall entre 1915-1925, durante seu retorno à Rússia, após uma primeira estada em Paris. Faz parte de uma sequencia de retratos dele com sua primeira esposa, Bella. Quando ela faleceu, em 1944, Chagall passou um longo período sem pintar..."




É de uma beleza lírica.




sábado, 20 de março de 2010

Corujão

Sempre tive muito contato com poesia. É coisa que gosto. Então, a proposta de aula foi fazer a cobertura jornalística de um Sarau de Poesia, em um bar da praia de Charitas, em Niterói. Chama-se Corujão da Poesia. Palco aberto, microfone ligado, o produtor do evento grita “Poesia!” e alguém, qualquer um, nem precisava ser poeta, levanta e recita um poema. Poema inventado ou decorado, musica, dança ou prosa poética. O importante é o encontro, é a intenção de arte, é a vontade de fazer poesia.
Entrevistei o poeta cearense Italo Rovere e ele mostrou um livro feito à mão. Chamava-se “Tatto Amarelo” que segundo o significado que ele próprio atribuiu ao título, significa o “amor de todo mundo para mudar o mundo”. A dificuldade de editar um livro de poesia no Brasil não o desanimou. O que não teve espaço na indústria pôde ser feito de forma artesanal e distribuído em espaços que reúnem amantes da poesia. Assim, como trabalho de formiguinha em lugares onde ele encontrou vozes multiplicadoras da sua arte.

Estava presente, também contando, recitando, cantando, a atriz Bettina Kopp, lançando o seu livro “Corpinturada” ou Cor da Pintura, como pude observar na montagem de cores da capa do livro. Poesia desde o titulo.

Foi realmente a arte do encontro de pessoas que queriam simplesmente ler poesia e admirar juntas as expressões de arte. O evento acontece de 15 em 15 dias, toda segunda-feira, no bar Conversa Fiada que fica na Rua Quintino Bocaiuva em São Francisco, Niterói. Começa às 20 horas e vai até a madrugada. Eu mesmo, saí de lá por volta das duas da manhã e o microfone continuava aberto para mais poesia e musica e arte. Indico e gosto.

Quando eu era gente...

Ouvi essa história entre uma taça de vinho e outra... fiquei olhando para a taça e lembrando, saboreando e constatando que vinho, quanto mais velho melhor. Mas nós, coisa de gente, quanto mais vive, menos se acha. “Minha avó lembrava a juventude e dizia: quando eu era gente...”. Essa pérola surgiu no meio dos vinhos e dos corações abertos e das almas lavadas e das dúvidas e dos pactos de amizade e das promessas de segredo entre três contadoras de estórias transitando pelos tempos e pelos quereres da vida.
QUANDO... Quando é palavra que vive começando frase, e vive começando assunto, e vive atazanando pensamento. Quando eu era pequena, quando eu crescer, quando eu me formar, quando eu conseguir guardar dinheiro e quando, quando , quando... e a gente vive de quandos ... voltas ao passado e projeções de futuro. Palavra que é quase inversamente proporcional a AGORA!
Já reparou que agora é hora que nunca dá tempo? O diálogo é assim: Quando? Agora! Agora? O papo toma um tom de susto que parece absurdo. E você continua: Sim, agora, qual o problema? E aí parece que todos. Parece que não dá tempo ou que a gente precisa pensar ou que há várias pendências paralelas a resolver e parece que... tem que ser depois. Um depois que pode não chegar.
Amanhã eu começo, amanhã eu termino, amanhã eu faço, amanhã será outro dia. E pode ser que amanhã eu não queira o que hoje queria. E aí ... tinha que ser naquela hora, passou o tempo, passou o clima, passou a vontade, passou a vida. Passou gente que não acaba. Porque é vivendo e querendo sem medo que a gente não acaba. Eu tenho é medo de acabar. Então é por isso que eu vivo agora pensando no depois, porque se tem coisa pra depois, eu não posso acabar agora. Entende? E se eu consigo agora? Vivo agora, mas tenho a obrigação de querer mais coisa pra depois. Porque se não, vem de novo aquele medo de acabar... E aí, os sonhos são infinitos e as vontades sempre são supridas pela metade. Uma metade boa claro! Uma metade que quer sempre saber da outra. De outra que precisa de mais vida, de mais luta, de mais gente, de mais sabedoria.
Se bem que a sabedoria é mais calma... Uma calma que não precisa de... Uma calma existencial... Uma calma que dá vontade de gritar, uma calma que irrita! Já reparou que tem calma que irrita? Mas que também tem irritação que precisa de calma. Ambivalências da vida.
Pensei agora que gente nunca é sozinha... Gente começa com dois... Gente, pra ter uma, precisa de duas, já reparou? Gente é coisa em equipe. E dentro de cada gente tem tanta gente... trabalho feito a muitas mãos. E no meio de tanta gente às vezes a gente quer ficar sozinho. Mas é que a lembrança não deixa. É que a gente lembra. Tem coisa que a gente esquece de esquecer. E quando, sem querer, cai no poço do esquecimento, a gente lembra de lembrar...
A gente é muita gente. Onde tem vida, não dá pra ficar sozinho. Solidão e silêncio é coisa da morte. Enquanto tem vida, parece que a cabeça fala e a alma dança por dentro da gente. Parece que tem um livro imenso e uma quantidade enorme de palavras e estórias... Acho que é por isso que eu conto. E conto do meu jeito. Nada de dizer que não foi assim. Foi assim do jeito que eu quis contar. A mentira existe e enfeita a verdade. Tem vezes que a gente tem que ajeitar a verdade um pouquinho... E a mentira deixa tudo tão mais encantador! Mentir é tão mais divertido! É assim: Verdade é o que a gente vive e mentira é o que a gente conta. Uma não vive sem a outra, nem adianta. Eu e meu personagem. Máscaras de encantamento. Verdade absoluta é de uma grosseria terrível! Se alguém te diz com tom ansioso: tenho uma estória pra te contar, você só acha que é verdade porque está desavisado. É claro que é uma estória inventada. Não é o que eu te conto e sim outra coisa. O “exatamente” daquilo que se conta só vai saber quem viveu a experiência. De resto é narrativa. Tem intenção estética. É a arte de encantar. Mentira!
Mas agora está me vindo uma vontade de silêncio... Vou parar de inventar um pouco e deixar você aí criando seus pensamentos com esse bando de gente que te ocupa.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Música para os olhos

Desconfio dessas “modernidades líquidas”, dessas coisas que tendem ao “híbrido” às pontes e entre-lugares... No entanto, depois de um bom café machiatto - aquele com espuminha de leite, sabe? - algumas experiências valem... Assisti à pré-estréia de um "filme para os ouvidos".

“Escutem o filme”, disse o diretor Pompeu Aguiar ao apresentar Adágio Sostenuto. A partitura de Linzt, é a inspiração e o primeiro plano da trama de linguagens que eu não diria “filme para os ouvidos”, diria “música para os olhos”. Uma ponte, como insiste em repetir a protagonista Ana Maria. “Estou construindo uma ponte”, dizia ela.


O conflito-matriz é simples. Um filme em três atos que em alguns pontos beira o melodramático: Ana Maria e o marido escrevem um filme de amor em que um casal de idosos planeja sua morte juntos. O casal de roteiristas, durante o processo de criação, discute questões existenciais e emocionais enquanto imagens de guerra e barbárie cortam bruscamente o diálogo. A dualidade existencialismo-barbárie é ainda posta em destaque na narrativa, quando o marido de Ana Maria morre baleado e ela, entre conflitos de vida e morte, tem que terminar o filme.


O espectador pode ouvir a tal construção da ponte pelo diapasão psicanalítico, angustiado e clichê dos dramas existenciais que tencionam vida-morte, juventude-velhice, transcendência e barbárie, imprevisibilidade da vida (na longa e constante imagem das ondas do mar). Por essa lente, o filme enfraquece. No entanto, é possível deslocar o olhar e perceber que o conflito frágil da narrativa vela outra angústia, a angústia de criação do próprio autor – na personagem Ana Maria – de experimentar formas e linguagens, rompendo o fluxo narrativo com telas em branco que me remeteram ao Mallarmé de “O lance de dados”, e com momentos de textos e subtítulos projetados que criaram certo desconforto aos adeptos do plano-seqüência.


Música e literatura foram contornadas por imagens. E as imagens, por sua vez, na belíssima fotografia de Antonio Luiz Mendes, remeteram às artes plásticas. Pareciam pinturas na tela. A forma demonstra corajosa experimentação de Pompeu que é um fã estético do cineasta francês Jean Luc Godard.


No entanto, o ponto fraco da forma, me parece, deriva também de angústia, de uma angustiante necessidade de explicações e metalinguagens que tentam a todo custo justificar a experiência. E quando o maestro insiste em justificar a inspiração do roteiro em partitura, ele pesa a mão na batuta e o filme desafina.


É que não há o que justificar aos diretores e roteiristas do cinema tradicional. O roteiro em partitura não se encaixa em tal estética. É experimentação que se utiliza da linguagem cinematográfica, da tela grande, para a projeção do encontro do cinema com outras linguagens – a música e a literatura. Não funciona de todo, mas vale à pena a experiência: ouvir a projeção, olhar a música, ler o texto em sala escura.