quarta-feira, 20 de maio de 2009

Música para os olhos

Desconfio dessas “modernidades líquidas”, dessas coisas que tendem ao “híbrido” às pontes e entre-lugares... No entanto, depois de um bom café machiatto - aquele com espuminha de leite, sabe? - algumas experiências valem... Assisti à pré-estréia de um "filme para os ouvidos".

“Escutem o filme”, disse o diretor Pompeu Aguiar ao apresentar Adágio Sostenuto. A partitura de Linzt, é a inspiração e o primeiro plano da trama de linguagens que eu não diria “filme para os ouvidos”, diria “música para os olhos”. Uma ponte, como insiste em repetir a protagonista Ana Maria. “Estou construindo uma ponte”, dizia ela.


O conflito-matriz é simples. Um filme em três atos que em alguns pontos beira o melodramático: Ana Maria e o marido escrevem um filme de amor em que um casal de idosos planeja sua morte juntos. O casal de roteiristas, durante o processo de criação, discute questões existenciais e emocionais enquanto imagens de guerra e barbárie cortam bruscamente o diálogo. A dualidade existencialismo-barbárie é ainda posta em destaque na narrativa, quando o marido de Ana Maria morre baleado e ela, entre conflitos de vida e morte, tem que terminar o filme.


O espectador pode ouvir a tal construção da ponte pelo diapasão psicanalítico, angustiado e clichê dos dramas existenciais que tencionam vida-morte, juventude-velhice, transcendência e barbárie, imprevisibilidade da vida (na longa e constante imagem das ondas do mar). Por essa lente, o filme enfraquece. No entanto, é possível deslocar o olhar e perceber que o conflito frágil da narrativa vela outra angústia, a angústia de criação do próprio autor – na personagem Ana Maria – de experimentar formas e linguagens, rompendo o fluxo narrativo com telas em branco que me remeteram ao Mallarmé de “O lance de dados”, e com momentos de textos e subtítulos projetados que criaram certo desconforto aos adeptos do plano-seqüência.


Música e literatura foram contornadas por imagens. E as imagens, por sua vez, na belíssima fotografia de Antonio Luiz Mendes, remeteram às artes plásticas. Pareciam pinturas na tela. A forma demonstra corajosa experimentação de Pompeu que é um fã estético do cineasta francês Jean Luc Godard.


No entanto, o ponto fraco da forma, me parece, deriva também de angústia, de uma angustiante necessidade de explicações e metalinguagens que tentam a todo custo justificar a experiência. E quando o maestro insiste em justificar a inspiração do roteiro em partitura, ele pesa a mão na batuta e o filme desafina.


É que não há o que justificar aos diretores e roteiristas do cinema tradicional. O roteiro em partitura não se encaixa em tal estética. É experimentação que se utiliza da linguagem cinematográfica, da tela grande, para a projeção do encontro do cinema com outras linguagens – a música e a literatura. Não funciona de todo, mas vale à pena a experiência: ouvir a projeção, olhar a música, ler o texto em sala escura.


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