Ouvi essa história entre uma taça de vinho e outra... fiquei olhando para a taça e lembrando, saboreando e constatando que vinho, quanto mais velho melhor. Mas nós, coisa de gente, quanto mais vive, menos se acha. “Minha avó lembrava a juventude e dizia: quando eu era gente...”. Essa pérola surgiu no meio dos vinhos e dos corações abertos e das almas lavadas e das dúvidas e dos pactos de amizade e das promessas de segredo entre três contadoras de estórias transitando pelos tempos e pelos quereres da vida.
QUANDO... Quando é palavra que vive começando frase, e vive começando assunto, e vive atazanando pensamento. Quando eu era pequena, quando eu crescer, quando eu me formar, quando eu conseguir guardar dinheiro e quando, quando , quando... e a gente vive de quandos ... voltas ao passado e projeções de futuro. Palavra que é quase inversamente proporcional a AGORA!
Já reparou que agora é hora que nunca dá tempo? O diálogo é assim: Quando? Agora! Agora? O papo toma um tom de susto que parece absurdo. E você continua: Sim, agora, qual o problema? E aí parece que todos. Parece que não dá tempo ou que a gente precisa pensar ou que há várias pendências paralelas a resolver e parece que... tem que ser depois. Um depois que pode não chegar.
Amanhã eu começo, amanhã eu termino, amanhã eu faço, amanhã será outro dia. E pode ser que amanhã eu não queira o que hoje queria. E aí ... tinha que ser naquela hora, passou o tempo, passou o clima, passou a vontade, passou a vida. Passou gente que não acaba. Porque é vivendo e querendo sem medo que a gente não acaba. Eu tenho é medo de acabar. Então é por isso que eu vivo agora pensando no depois, porque se tem coisa pra depois, eu não posso acabar agora. Entende? E se eu consigo agora? Vivo agora, mas tenho a obrigação de querer mais coisa pra depois. Porque se não, vem de novo aquele medo de acabar... E aí, os sonhos são infinitos e as vontades sempre são supridas pela metade. Uma metade boa claro! Uma metade que quer sempre saber da outra. De outra que precisa de mais vida, de mais luta, de mais gente, de mais sabedoria.
Se bem que a sabedoria é mais calma... Uma calma que não precisa de... Uma calma existencial... Uma calma que dá vontade de gritar, uma calma que irrita! Já reparou que tem calma que irrita? Mas que também tem irritação que precisa de calma. Ambivalências da vida.
Pensei agora que gente nunca é sozinha... Gente começa com dois... Gente, pra ter uma, precisa de duas, já reparou? Gente é coisa em equipe. E dentro de cada gente tem tanta gente... trabalho feito a muitas mãos. E no meio de tanta gente às vezes a gente quer ficar sozinho. Mas é que a lembrança não deixa. É que a gente lembra. Tem coisa que a gente esquece de esquecer. E quando, sem querer, cai no poço do esquecimento, a gente lembra de lembrar...
A gente é muita gente. Onde tem vida, não dá pra ficar sozinho. Solidão e silêncio é coisa da morte. Enquanto tem vida, parece que a cabeça fala e a alma dança por dentro da gente. Parece que tem um livro imenso e uma quantidade enorme de palavras e estórias... Acho que é por isso que eu conto. E conto do meu jeito. Nada de dizer que não foi assim. Foi assim do jeito que eu quis contar. A mentira existe e enfeita a verdade. Tem vezes que a gente tem que ajeitar a verdade um pouquinho... E a mentira deixa tudo tão mais encantador! Mentir é tão mais divertido! É assim: Verdade é o que a gente vive e mentira é o que a gente conta. Uma não vive sem a outra, nem adianta. Eu e meu personagem. Máscaras de encantamento. Verdade absoluta é de uma grosseria terrível! Se alguém te diz com tom ansioso: tenho uma estória pra te contar, você só acha que é verdade porque está desavisado. É claro que é uma estória inventada. Não é o que eu te conto e sim outra coisa. O “exatamente” daquilo que se conta só vai saber quem viveu a experiência. De resto é narrativa. Tem intenção estética. É a arte de encantar. Mentira!
Mas agora está me vindo uma vontade de silêncio... Vou parar de inventar um pouco e deixar você aí criando seus pensamentos com esse bando de gente que te ocupa.